Os Terrenos de Marinha e seus acrescidos são um instituto previsto na Constituição da República Federativa do Brasil, em seu artigo 20, inciso IV: “Art. 20. São bens da União: […] VII – os terrenos de marinha e seus acrescidos”.

Ainda, de acordo com a definição legal, encontrada nos artigos 2º, alíneas a e b, e 3º do Decreto-Lei 9.760/1946, os terrenos de marinha são os situados no continente, na costa marítima e nas margens dos rios e lagoas, até onde se faça sentir a influência das marés e os que contornam as ilhas situadas em zona onde, da mesma forma, se faça sentir a influência das marés. Essa faixa é medida em uma profundidade de 33 (trinta e três) metros, horizontalmente, da linha do preamar-médio de 1831, em direção à terra.

As formas de utilização dos terrenos de marinha podem se dar por enfiteuse/aforamento e ocupação, sendo que os aforados e ocupantes de terrenos de marinha devem atentar-se às cobranças patrimoniais da SPU, débitos não tributários decorrentes chamados laudêmio, taxa de ocupação e foro.

Existe um Proposta de Emenda Constitucional, a PEC 39/11, que visa a extinção deste instituto e diante dos motivos de sua criação e outras pesquisas, extrai-se muitos argumentos favoráveis à sua aprovação, explanados da maneira que segue.

O instituto das terras de marinha só existe no Brasil, não se encontrando situação similar ao longo do globo;
Os terrenos de marinha não são mais utilizados com o fim para o qual foram criados, qual seja a defesa da costa nacional. Na verdade eles são um instituto que existe exclusivamente para a obtenção de renda (função arrecadatória);
Apesar de muitos acharem que esses terrenos pertencem à classe mais abonada, quem arca com os encargos ensejados pela sua ocupação é, em maioria, população de média e baixa renda, tanto é que, em Audiência Pública realizada no Município de Biguaçu, viu-se que um dos bairros mais humildes da cidade, Jardim Saveiro, será abrangido pela nova demarcação;
E, por fim, rebate-se a questão ambiental, ventilada por quem defende a permanência do instituto, pelo fato de que a responsabilização por danos ambientais ocorrida em terrenos de marinha não deixará de existir, assim como nos terrenos que estão fora dessa zona.

É importante esclarecer, ainda, que, diferente do que pensam, as cobranças referentes aos terrenos de marinha não se tratam de bitributação e, por não se confundirem com o IPTU, são perfeitamente legais. Entretanto, observa-se que muito embora os encargos relacionados aos terrenos de marinha não sejam tecnicamente um tributo, causam aflições idênticas nos responsáveis por seu pagamento.

Logo, não se pode negar o prejuízo ao bolso de quem tem a obrigação de arcar com todas as cobranças referentes ao instituto.

Também não se pode deixar de comentar a respeito de uma nova demarcação realizada pela Secretaria do Patrimônio da União, cuja homologação ocorreu sem que os envolvidos tivessem ciência da inclusão de seus terrenos (dos quais eram proprietários, e não apenas ocupantes ou aforados) nessa área.

Na audiência pública mencionada, muito se discutiu sobre o tema e sobre a importância da mobilização dos moradores em exigir que a homologação da nova demarcação não seja feita sem que seja oportunizado o direito de impugnação aos interessados.

Não é demais frisar, o previsto no artigo 12-A do Decreto-lei 9.760/46, incluído pela Lei nº 13.139 publicada em 26 de junho de 2015, que assegura a notificação pessoal dos interessados alcançados pela demarcação, para que em 60 dias ofereçam suas impugnações.

Em suma, a audiência serviu para alertar os interessados de seu direito de impugnarem a demarcação e ainda, foi mencionado um caso prático que segue em resumo:

Um proprietário de terreno localizado no município de Biguaçu, ao realizar uma consulta de viabilidade para construir em seu imóvel, foi surpreendido com a notícia de que, agora, seu terreno era considerado de marinha, tendo em vista a nova demarcação realizada pela Secretaria do Patrimônio da União, e que, portanto, para a expedição do alvará da construção, seria necessário que fosse apresentada certidão de aforamento.

O interessado então, depois de ir até a SPU e notar que ao se tornar aforado teria de pagar o encargo anual e sua propriedade se tornaria apenas posse, ajuizou o processo judicial nº 0300.763-05.2016.8.24.0007, contra o município de Biguaçu, onde busca seus direitos de proprietário de um imóvel, vez que possui toda a documentação que o confere tal título, inclusive escritura pública.

Dentre os pedidos do autor, estava o de tutela de urgência, para que de pronto sua obra pudesse ter início, pedido deferido pelo juiz ao requerente, podendo ele construir em seu imóvel sem que precise cadastrá-lo em regime de aforamento, ao menos enquanto a situação não é esclarecida. A decisão se baseou nas fotos acostadas pelo autor, que evidenciam a grande distância do imóvel e do mar ou do rio Biguaçu e na aparente falta de regularização da nova linha demarcatória que colocaria o imóvel na condição de terreno de marinha. Restou com isso, configurada a probabilidade do direito.

Em defesa, o município de Biguaçu apresentou um simples ofício, emitido pelo representante da Secretaria do Patrimônio da União, onde se afirma que já houve a homologação da demarcação da área do imóvel em questão, se tratando, portanto, de terreno de marinha. Para tanto, apresentou uma imagem emitida do Satélite “Google Earth”.

A respeito do tema, extrai-se da Constituição Federal, na qualidade de direitos fundamentais, o direito à propriedade e, ainda, o direito ao contraditório e à ampla defesa, presentes no caput e incisos XXII e LV, do artigo 5º.

Na demanda judicial explanada em tópico anterior, nota-se o comportamento arbitrário da SPU em definir imóveis como terrenos de marinha sem, ao menos, oportunizar impugnação e dar por homologada a demarcação da área.

Além de não oportunizar impugnação aos afetados pelo novo traço, há que se observar a insegurança jurídica, prevista no artigo 5º, inciso XXXVI, da Constituição Federal, sob a ótica da nova demarcação. O deputado federal Cesar Souza, autor da PEC 27/15, apensa à PEC 39/11, pretende o fim dos terrenos de marinha e afirma: “Tendo em vista que esse assunto é debatido há muito tempo, quero promover um debate em cima dos terrenos de marinha, que são um problema em todo o litoral brasileiro e geram insegurança jurídica.”.

Em suma, a segurança jurídica é um princípio de fundamental importância no ordenamento jurídico, não permitindo que normas e orientações posteriores a qualquer situação já consolidada afete ao interessado.

Ora, o caso narrado acima é um exemplo claro de insegurança jurídica gerada por uma nova demarcação dos terrenos de marinha, ainda que o autor tenha reconhecidos, documentalmente, todos os seus direitos de proprietário do imóvel em questão.

Além disso, é relevante mencionar o princípio da proporcionalidade ou razoabilidade que baseiam o Direito Administrativo. No caso prático observado é possível perceber a grande distância entre o mar e o imóvel em discussão, motivo pelo qual, verifica-se a ausência de proporcionalidade e razoabilidade ao incluí-lo em área de marinha.

Ainda, cumpre trazer o princípio do devido processo legal, encontrado na Constituição Federal em seu artigo 5º, inciso, LIV: [‘…] ninguém será privado da liberdade ou de seus bens sem o devido processo legal;”.

Ora, no caso em questão também se percebe a não observação do direito fundamental ao devido processo legal quando se trata de privar alguém de seus bens, vez que a Administração negou alvará para a sua construção antes mesmo de o autor ser notificado para impugnar a inclusão de seu lote na nova área de terrenos de marinha.

Os fundamentos acima, de observação dos princípios da segurança jurídica e do devido processo legal, concernentes ao Direito como um todo, e da proporcionalidade ou razoabilidade, que permeia a Administração Pública, são alguns dos conteúdos que podem compor a impugnação de áreas já consolidadas como propriedades.

Ademais, há controvérsias sobre o traço da linha demarcatória realizado pela SPU. Obéde Pereira de Lima, especialista na área, em entrevista ao Jornal Notícias do Dia, se posicionou a respeito do assunto ao ser perguntado se a Secretaria do Patrimônio da União teria a demarcação correta da linha do Preamar-médio de 1831. O engenheiro cartógrafo, então, afirma e prova que a SPU avança ilegalmente sobre as propriedades, sendo sua tese de muita relevância a quem, em tempo, impugnar a demarcação de seus imóveis. Isso porque os estudos sobre as marés já evoluíram muito no país e não é mais cabível uma referência de tempo tão pretérita, vez que em muitos locais, a zona de marinha, se observado o critério da lei, pode estar, inclusive, totalmente coberta pela água.

Ora, todos os princípios aqui mencionados, aliados a estudos de especialistas sobre a questão da linha demarcatória existir com base em critérios questionáveis, podem servir de base para as impugnações, quando os interessados começarem a ser notificados a respeito da demarcação, garantindo assim que os efeitos da nova demarcação não se cumpram sem que se observe os princípios constitucionais estabelecidos.

Após a análise da PEC 39/11, da nova demarcação e do caso prático, notou-se que muito mais do que defender a extinção dos terrenos de marinha, é medida mais urgente proteger as propriedades já consolidadas e escrituradas que serão atingidas pela nova demarcação. O objetivo geral da audiência pública realizada em Biguaçu/SC e mobilização das pessoas é de que se lute também pela extinção do instituto, mas, por hora, é mais urgente que se observe os efeitos da nova demarcação, especialmente à luz dos princípios do devido processo legal, da segurança jurídica e da proporcionalidade ou razoabilidade.

Por: Franciny Ellen da Silveira

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